"Temos um lago que desapareceu, agora é pampa; um deserto onde não
se pode semear nada, nem produzir; não há nada, muito menos vida."
Com essas palavras, o dirigente camponês Valerio Rojas descreveu à
agência de notícias Efe a situação do lago Poopó, o segundo maior da Bolívia,
atrás do Titicaca.
O lago de água salgada, localizado no departamento de Oruro, que faz
fronteira com o Chile, tinha uma extensão de 2.337 quilômetros quadrados.
Mas agora ele foi reduzido a três áreas úmidas, espécies de charcos, de
menos de um quilômetro quadrado e apenas 30 centímetros de profundidade.
A catástrofe vinha sendo anunciada há anos e tem um forte impacto
ecológico, econômico, social e político.
Ela representa a destruição de todo um ecossistema, a perda de espécies
centenárias de fauna e flora, o desaparecimento de culturas pelo êxodo de
comunidades que sobreviviam do lago e a falta de ações efetivas para enfrentar
a seca.
Um lago de 2.337 km² foi reduzido a poucas áreas úmidas (Foto:
Reuters/David Mercado)
Perdas ambientais e humanas
Segundo especialistas, cerca de 200 espécies de aves, peixes, mamíferos,
répteis e uma grande variedade de plantas desapareceram com a seca do Poopó.
O ornitólogo Carlos Capriles disse ao jornal boliviano La Razón que,
entre as aves que foram forçadas a abandonar o lugar, havia três espécies de
flamencos ameaçados de extinção.
"Com o desaparecimento do Poopó, o habitat (das aves) se reduz e
aumenta o risco de extinção", explicou Capriles.
O especialista explicou que o lago era o ponto de descanso de aves
migratórias que se deslocavam do norte para o sul.
"Falamos de cerca de
200 espécies que pereceram ou foram para outras áreas."
Segundo ambientalistas, cerca de 200 espécies migraram ou morreram
(Foto: Reuters/David Mercado)
Outros ativistas ambientais acrescentam que numerosos mamíferos, répteis
e anfíbios ficaram sem habitat e alimento com a transformação do lago em
praticamente um deserto.
Mas o pior aconteceu com os peixes, segundo Capriles. Eles não puderam
migrar, como os outros animais, e morreram no local.
O Ministério do Meio Ambiente e Água confirmou a perda de uma grande
quantidade de espécies únicas, ainda que não se saiba a quantidade exata. Eles
planejam realizar uma contagem.
O desastre também teve um custo humano. Cerca de 350 famílias, em sua
maioria de pescadores do lago, foram afetadas.
Com o deslocamento forçado também desaparece a cultura da comunidade,
que sobrevivia do próprio lago Poopó em uma economia de subsistência.
Causas do desastre
A bacia do Poopó foi declarada, em 2002, um ecossistema de importância
internacional onde a água é o principal fator que controla o ambiente, assim
como a vegetação e a fauna.
Mas então como ele desapareceu?
As razões são complexas e vão desde os efeitos climatológicos e manejo
problemático de recursos aquíferos até a atividade humana, a contaminação e a
falta de atenção a um desastre que todos já viam que estava prestes a ocorrer.
Peixes foram os mais atingidos (Foto: Reuters/David Mercado)Peixes foram
os mais atingidos (Foto: Reuters/David Mercado)
As análises do governo apontam o fenômeno El Niño e o aquecimento global
ocasionado pelos países industrializados como culpados.
O vice-ministro de Recursos Hídricos e Irrigação, Carlos Ortuño, cita
dados científicos que estabelecem que a temperatura mínima aumentou 2,06º C nos
últimos 56 anos, e que o El Niño provocou secas desde outubro.
A falta de água como fruto da ação humana também é apontada como uma das
causas.
Os lagos Poopó e Titicaca dependem da entrada de água do rio
Desaguadero. Mas um plano diretor da década de 1990 acabou privilegiando o
Titicaca, impedindo a passagem de água para a bacia do Poopó.
Além disso, o próprio rio foi afetado pela atividade humana, que o usa
para seus cultivos, sistemas industriais e de mineração.
Esta última atividade causa contaminação. Oruro é um departamento
mineiro e a extração, há anos, é feita de forma "não responsável",
disse o vice-ministro Ortuño.
Mas ele também destacou a má administração de um fundo que foi feito
para evitar a seca do lago.
Em 2010, a Bolívia e a União Europeia firmaram um acordo segundo o qual
haveria um fundo de cerca de US$ 15 milhões para o programa Cuenca Poopó (Bacia
Poopó).
O ex-prefeito de Oruro, Luis Aguilar, em cuja gestão foi assinado o
acordo, disse que seu sucessor foi "mal assessorado" no manejo do
dinheiro, que foi usado para "projetos sem sentido" e foi
"esbanjado" sem conseguir a recuperação do lago, de acordo com o
jornal La Razón.
O ex-diretor do Serviço Departamental Agropecuário, Severo Choque, diz
que também "não se priorizou de maneira adequada o trabalho específico no
lago".
Recuperação, um desafio
Vários críticos pediram que seja realizada uma investigação para
descobrir os responsáveis pela falta de ação que permitiu o desastre.
"O custo desse desastre deve ser manejado com absoluta rigidez na
identificação de seus responsáveis", escreveu o colunista do jornal La
Prensa Enrique A. Miranda Gómez.
Ele pediu que fosse colocada em prática uma política sustentável de
"reprocessar o curso das água que vêm do Titicaca e investir em ajuda para
populações afetadas, dando a elas infraestrutura produtiva, apoio social e
sobretudo segurança aos mais jovens".
Mau uso da água também contribuiu para desaparecimento do lago (Foto:
Reuters/David Mercado)
Na terça-feira (22), o governo boliviano e o departamento de Oruro
anunciaram um plano para "reconstruir" o lago Poopó.
O vice-ministro de Recursos Hídricos e Irrigação, Carlos Ortuñez, e o
governador de Oruro, Víctor Hugo Vásquez, informaram que seriam destinados US$
3,25 milhões principalmente para ajuda humanitária e trabalho técnico sobre a
corrente de água que chega ao Poopó através do rio Desaguadero.
Também citaram um financiamento internacional para o chamado Plano
Diretor da Bacia do Poopó que vai exigir, segundo eles, US$ 130 milhões.
Este, segundo Ortuñez, será o "maior desafio" do governo para
conseguir executar o plano que será elaborado por especialistas nacionais e
internacionais.
Mas, enquanto isso, o segundo maior lago da Bolívia segue parecendo um
deserto.
G1
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